DECLARAÇÃO DO DIRETOR

Às vezes não sabemos os destinos das histórias narradas pelos nossos pais. Boa parte da minha infância e adolescência foi permeada por fragmentos daquilo que meu pai contava sobre a sua vida de migrante nordestino em São Paulo, ao longo da década de 1970. E quase sempre as histórias vinham num tom de advertência, geralmente havia uma lição a ser apreendida com as pequenas alegrias e as grandes dificuldades da sua vida empobrecida na cidade mais rica do Brasil.

Foi somente adulto que percebi como as travessias da minha família paterna, foram cerca de quatro viagens de ida e volta, entre Natal e São Paulo, se conectam diretamente com a vida de milhares de nordestinos que realizaram incessantemente esse mesmo trajeto em diferentes momentos da história do país. Meu pai nunca quis que o seu sofrimento fosse repetido por seus filhos, mas é inevitável não sentir seu passado se movendo dentro de mim.

Ainda que as migrações nordestinas como foram no passado tenham cessado - e haja no cinema brasileiro contemporâneo um forte interesse pelo nordeste como um lugar de fixação de raízes -, creio na importância de revisitar as lacunas e silenciamentos da história, assim como acredito na produção de novas imagens sobre a vida cotidiana destes migrantes. No Brasil nunca é demais relembrar as nossas dores.

Com MOVENTES eu me coloquei em um estado ativo de repetição, remediando e recriando as imagens narradas por meu pai, e imaginando tantas outras, com um olhar distanciado e seguro da história. Dentro da família, da casa e do vazio evocado pelo filme, estão as contradições e conflitos que este arquivo de imagens e vidas ressoam dentro de mim.

O curta-metragem MOVENTES apresenta um fragmento de uma história familiar ainda presente em diversas populações empobrecidas do mundo. Em um mundo globalizado como o nosso, em que o movimento é permanente e inevitável, os sentimentos de dúvida, medo, sobrevivência e esperança despertados durante a partida de muitos continuam a atravessar gerações sem fim.